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MUITO IMPORTANTE
BRASIL: entre o grotesco e o futuro - Por Aldo Fornazieri
A votação do impeachment na Câmara dos Deputados, no último dia
17 de abril, não provocou apenas desolação e indignação na consciência democrática
brasileira, mas deixou a imprensa e a opinião pública internacionais perplexas
diante do grotesco ato histórico, digno de envergonhar não só qualquer
sociedade humana razoavelmente civilizada, mas qualquer agrupamento societário
animal. Há muito mais dignidade nos animais do que naquele agrupamento de
hipócritas e cínicos que desfecharam o golpe parlamentar contra as instituições
democráticas, cassando o voto de 54 milhões de brasileiros.
O
que se viu na Câmara dos Deputados foi o grotesco na sua manifestação mais
perversa e assustadora. Não se estava reivindicando nenhuma tradição do
passado, se é que essa existe no Brasil. Não se estava reivindicando as
virtudes cívicas, os valores republicanos, o bem da pátria, o interesse comum.
Nem mesmo o ser humano ancestral que lutava pela sobrevivência, com coragem,
estava presente ali.
O
que se viu ali, simbolicamente, eram hordas animas, semelhantes às hordas de
celerados, de bandoleiros, que não hesitam em praticar qualquer crime para que
o interesse pessoal prevaleça a despeito de qualquer sentimento de humanidade
ou de qualquer valor cívico. As evocações da família, dos filhos, da esposa, do
marido nas declarações de voto soaram tão falsas que até a mentira se tornou
uma coisa amena diante falsidade das palavras e expressões dos senhores
golpistas.
A
votação foi a expressão de uma associação de corruptos que, em nome do combate
à corrupção, se preparava para assaltar o botim. Para aquelas mentes não
importam as instituições, não importam as leis, não importa a soberania
popular, não importa a democracia. A maior parte deles comprou seu mandato com
dinheiro grosso e malcheiroso. Simbolicamente, aquela associação reuniu
os piores tipos da história do Brasil: o assassino português que aqui chegou, o
pestilento, o matador de índios, o estuprador, o feitor de escravos, a
capitação do mato, o sicário, o coronel violento, o traidor, o torturador.
Sim,
o torturador, evocado por Bolsonaro, abrigado pelo PSDB e por todos os
partidos, deputados e deputadas do golpe. Bolsonaro é o que sempre foi. O PSDB
e os ilustres complacentes que albergaram o elogio à tortura mostraram que não
são o que disseram que eram: não são democratas, não são civilizados, não são
liberais, não são ilustrados. Desceram à mesma condição da pestilência grotesca
que se manifestou na Câmara dos Deputados, entregando o poder aos Cunhas, aos Bolsonaro,
aos Temer, violentando a legalidade democrática e a soberania popular.
Os ilustrados tucanos não poderão se livrar desse pecado capital
em suas biografias. Memoriais do golpe terão que ser construídos para que as
gerações futuras saibam quem foram os políticos do presente e saibam que não se
pode brincar de democrata golpeando o voto popular. Dizer que aquilo foi uma
manifestação fascista seria faltar com a verdade, pois até os fascistas agiam
violentamente em nome de algum propósito. Ali não havia proposito algum, não
havia futuro algum, não havia passado algum. Foi a manifestação do grotesco
pelo grotesco. Foi a manifestação da covardia como prática corriqueira, da
traição como modo de vida, do cinismo como expressão do caráter.
Evocando
René Char, em Entre o
Passado e o Futuro, Hannah Arendt reclamava da ruptura entre as
duas dimensões temporais e lembrava a seguinte afirmação do poeta e escritor
francês: “Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento”. Do ato do dia
17 de abril de 2016 não se poderá evocar não só nenhum testamento, mas também
nenhuma herança. Do grotesco não há o que herdar. Do grotesco não pode derivar
nenhuma aliança, nenhum contrato, nenhuma fidedignidade, nenhum testemunho para
a história, nenhuma disponibilidade para o futuro. O único sentimento que se
aplica ao grotesco é a repulsa. Desta forma, se o governo Temer vier, não resta
outra saída: não reconhece-lo como legítimo e lutar para derrubá-lo.
Futuro
e Esperança
Não
há como conquistar direitos sem luta, não há como surgir líderes autênticos e
virtuosos sem combate e não há como almejar a glória individual e coletiva sem
a esperança de um futuro grandioso, digno, virtuoso, justo e igualitário. Desde
os filósofos gregos e em toda a tradição do pensamento político clássico, mais
justiça foi assimilada a mais igualdade. A própria democracia moderna, que
floresceu nos Estados Unidos da América, em seu alvorecer, foi assimilada à
busca de mais igualdade. Tocqueville viu na igualdade o valor principal da
democracia, sempre precisando ser temperado pela liberdade.
O
confronto principal que está posto neste momento no Brasil é entre mais
igualdade e menos igualdade; mais justiça e menos justiça; mais direitos e
menos direitos; mais virtudes e menos virtudes; mais futuro ou mais grotesco.
Os governos do PT tiveram o mérito de colocar no centro de suas preocupações e
de suas ações a questão de mais igualdade. Esse esforço foi interrompido pela
crise do governo Dilma, pela falta de reformas que removessem as condições
estruturantes da desigualdade, pelos incentivos e subsídios aos empresários que
nunca pagaram o pato, levando à crise fiscal do Estado. Ao assumir as mesmas
práticas dominantes de financiamento das campanhas e da política em geral, o PT
caiu na armadilha mortal das elites justamente naquele valor que o partido
havia feito uma bandeira de admiração quando era oposição: a ideia da ética na
política e da moralização da vida pública.
A
tarefa, neste momento, é a de encetar um novo caminho, carregando as lições
positivas e negativas do passado, incluindo os governos petistas, na busca de
mais igualdade, mais justiça, mais direitos, mais virtudes, mais liberdade,
mais futuro e mais esperança. Este caminho já tem suas picadas abertas na luta
presente em defesa da democracia, dos direitos e contra o golpe. Este caminho
tem seus balizas na retomada dos movimentos sociais, no surgimento de novos
movimentos políticos e sociais, na luta das mulheres, dos negros e de outras
demandas por direitos.
Este
caminho tem sua força nas frentes que se constituíram – Povo Sem Medo e Brasil
Popular. Mas dois grupos constituem a principal potência desse caminho: as
mulheres e os jovens. As mulheres, porque é delas que vem o principal animus de luta pela
igualdade e justiça, nas múltiplas dimensões que a palavra igualdade significa
para elas. Os jovens, porque é neles que a energia viva da esperança pulsa com
mais vigor e vitalidade. Não parece restar dúvida que este caminho está fazendo
alvorecer novas formas organizacionais e de luta que, sem recusar os partidos,
é também de movimentos; que, sem recusar a política, abriga também o cultural e
o social; que, sem recusar a verticalidade, é fundamentalmente horizontalidade;
que, sem recusar a organização, é também menos burocracia, mais participação e
mais democracia.
Os dois principais desafios desse processo são: 1) manter a
unidade com pluralidade e diversidade; 2) construir um programa capaz de
superar os gargalos educacionais e tecnológicos e de dar conta do
desenvolvimento do país com igualdade social e sustentabilidade ambiental.
Aldo
Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
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