sábado, 25 de março de 2017

TUBERCUOSE MATA

ENTREVISTA DA 2ª 
Diretor da OMS diz que o mercado está mais preocupado em atender doenças que preocupam países ricos
Globalização espalha doenças, diz médico
LEONARDO CRUZ
DE LONDRES
Seis doenças infecciosas matam, por ano, 13 milhões de pessoas no mundo, o equivalente a cerca de 25% das mortes do planeta. A maioria dos mortos por Aids, malária, tuberculose, pneumonia, sarampo e diarreia é formada por jovens, de países em desenvolvimento. Mas esse quadro também afeta os desenvolvidos -na Europa, países como o Reino Unido e a Alemanha têm enfrentado surtos de tuberculose, moléstia considerada sob controle a partir do desenvolvimento da estreptomicina, nos anos 40.
Para David Heymann, 54, diretor para doenças transmissíveis da OMS (Organização Mundial da Saúde), essas mortes poderiam ser evitadas se os remédios disponíveis fossem usados de forma "mais ampla" nos países pobres e "mais sábia" nas regiões industrializadas.
"Nos países em desenvolvimento, a distribuição das drogas ainda é precária, muitos não recebem os medicamentos. E nos industrializados, muitos remédios foram usados em excesso, fazendo com que vírus e bactérias criassem resistência aos medicamentos", afirma Heymann, médico norte-americano que desde os anos 70 estuda as doenças infecciosas.
Na pesquisa de avaliação de Heymann, a globalização potencializou a velocidade de transmissão dessas moléstias. "As doenças hoje viajam de avião e são transportadas muito rapidamente em passageiros, comida ou animais", afirma.
Heymann também acusa a indústria farmacêutica de ter menosprezado as pesquisas para tratamento de doenças transmissíveis para desenvolver apenas remédios contra males não-transmissíveis, como câncer e mal de Alzheimer. A seguir, leia trechos da entrevista que o diretor da OMS concedeu à Folha, por telefone, de seu escritório em Genebra, na Suíça.
Folha - Em um relatório da OMS, o sr. escreveu que a morte anual de 13 milhões de pessoas por doenças infecciosas poderia ser evitada. De que forma? David
Heymann - Para doenças como o sarampo, que mata cerca de 900 mil crianças por ano, existem vacinas que poderiam ser usadas para prevenção. Para doenças como Aids, pneumonia e tuberculose, há drogas disponíveis para cura ou para prolongar a vida do doente.
Mas nesse ponto surgem dois problemas. Primeiro, a distribuição desses medicamentos e vacinas em países em desenvolvimento ainda é muito precária, e muitos que precisam do remédio não conseguem obtê-lo. Segundo, essas drogas estão perdendo efeito, já que os micróbios estão desenvolvendo resistência a essas substâncias.
Folha - E por que isso está acontecendo? Heymann
Isso ocorre porque as drogas foram usadas de forma incorreta. Houve utilização em excesso, muitas vezes desnecessária, em países industrializados. Pessoas que efetivamente não precisavam dos remédios foram medicadas. Em países em desenvolvimento, ocorreu o contrário, os antibióticos foram usados em quantidade inferior ao recomendável, muitas vezes por falta de remédio, mesmo. Tudo isso contribuiu para que vírus e bactérias criassem resistência às drogas.
Folha - O que pode ser feito para maximizar o efeito desses remédios?
HeymannOs antibióticos devem ser usados de forma mais sábia e mais ampla. Devem ser usados com mais intensidade em países em desenvolvimento e na quantidade certa para combater a doença. Em países industrializados, o uso só deve ocorrer quando realmente necessário.
Folha - Qual o impacto da globalização para a saúde mundial?
HeymannÉ bastante claro: quando aparece um surto de uma doença em um país, por mais distante que esse país pareça, todos devem ficar preocupados, por causa da globalização. Hoje, com o intenso tráfego aéreo internacional e com o constante deslocamento das pessoas, doenças infecciosas como tuberculose, pneumonia e malária podem se espalhar muito rapidamente. Atualmente, existem muito mais casos de tuberculose nos países industrializados do que há 20 anos.
No ano passado, cerca de 30 triatletas que participaram de um prova na Malásia voltaram para seus países com leptospirose, mas só descobriram que estavam doentes quando chegaram em casa. É um típico caso em que centenas de pessoas poderiam ter sido contaminadas.
Folha - Mas o que fazer para minimizar esse efeito?
HeymannA única coisa que pode ser feita é estar alerta para evitar que novos surtos de doenças se espalhem. Países com sistemas de saúde eficientes conseguem identificar rapidamente uma epidemia e agem para controlá-la. Em países em desenvolvimento, sem uma boa infraestrutura, isso já é mais difícil. Folha - No passado recente, doenças como tuberculose eram consideradas sob controle, já que podem ser curadas com medicamentos. Mas hoje há surtos dessas doenças mesmo em países desenvolvidos.
O que está acontecendo?
HeymannEssas doenças sempre estiveram presentes entre os países pobres, onde o acesso aos remédios é mais difícil. Mas, nos países industrializados, houve uma redução nos investimentos para desenvolver remédios contra doenças infecciosas. Esses países acharam que esse tipo de problema havia sido resolvido nos anos 50 e 60, quando surgiram medicamentos eficazes, e vacinas foram desenvolvidas. Na verdade, essa segurança era falsa, e agora essas doenças voltaram com força.
Folha - Então o sr. acredita que a indústria farmacêutica de países desenvolvidos deixou de lado as pesquisas relacionadas a doenças infecciosas?
Heymann Sim, é claro. Entre as doenças infecciosas que mais matam, só existe vacina efetiva contra o sarampo. Não houve investimento efetivo para a criação de uma vacina contra tuberculose ou pneumonia, e novos medicamentos contra essas doenças são cada vez mais raros.
Folha - E por que isso ocorre?
HeymannPorque o mercado está mais interessado nos países industrializados, onde as doenças que mais preocupam são câncer, mal de Alzheimer e doenças do coração. Essa política do mercado é muito evidente. Para que esse cenário seja mudado, é preciso que governos, indústrias e sociedade trabalhem juntos, tenham os mesmos objetivos.
Folha - É viável pensar em uma ação global contra essas doenças?
HeymannSim. Nós entendemos que o mundo é uma única comunidade. Se um país industrializado quer ter certeza de que não será ameaçado por uma doença, ele tem de ajudar a combater essa doença nos países em desenvolvimento, doando remédios, ajudando com infraestrutura. Para o país pobre, derrotar essas doenças é questão básica. Ou seja, está tudo interligado.
Folha - Qual o custo dessas doenças para a economia mundial?
HeymannÉ muito expressivo. São milhões e milhões de dólares perdidos anualmente por causa dessas doenças. Um doente de tuberculose, por exemplo, chega a ficar três meses afastado do trabalho e tem despesas altas com hospital e medicamentos.
Folha - Quais as propostas da OMS para combater doenças em países pobres?
HeymannNós acreditamos em uma ampla política de parcerias. Os governos de países em desenvolvimento devem se engajar no combate às doenças. Esses governos devem ter apoio de países industrializados, que fornecem recursos para os programas de combate às doenças. E as indústrias devem fornecer os medicamentos a preços acessíveis.
Folha - Um exemplo concreto?
Heymann Há 22 países no mundo com alto índice de tuberculose. No ano passado, em Amsterdã (Holanda), ministros da Saúde e do Planejamento de países pobres e desenvolvidos se reuniram e assinaram um acordo para investir no combate à doença. Depois disso, a OMS e representantes desses 22 países se reuniram no Cairo (Egito) e traçaram, com o apoio de ONGs, planos de ação efetivos contra a tuberculose.
Folha - E há razão para ser otimista atualmente em relação ao combate de doenças?
HeymannAtualmente, eu acredito que governos, empresas e ONGs já conseguem compreender a importância das parcerias para combater doenças. E esse é um passo muito significativo. Muitos países parecem ter percebido que o desenvolvimento econômico está relacionado à erradicação dessas doenças da pobreza. Um país sem população saudável não consegue se desenvolver economicamente.

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