BRAZIL DE ONTEM E O BRASIL DE HOJE
Documento Especial - Os Pobres Vão à Praia
Produzido entre os anos 1989 e 1996 para redes de
TV aberta, O Documento Especial ia muito além do que normalmente os programas
jornalísticos mostravam na TV. A proposta era mostrar a realidade nua e crua,
dando prioridade para assuntos polêmicos, guetos, submundos e exibindo cenas
fortes. De 1989 a 1996, foi um dos programas mais assistidos na televisão
aberta brasileira e acabou por ser uma referência em qualidade de televisão. O
Documento Especial ganhou prêmios em todo o mundo, incluindo o Prêmio Príncipe
Rainier no Monte-Carlo TV Festival.
Vídeos de 1990 geram polêmica após arrastões: 'Rio não mudou', diz
diretor
'Os pobres vão à praia' foi
exibido há mais de 2 décadas na TV Manchete. Reportagem é
compartilhada em redes sociais e fomenta discussões.
Televisão verdade
Ao ver o global
Profissão Repórter da semana passada, sobre a vida em
presídios, me lembrei do Documento
Especial, jornalístico que ganhou fama a partir de 1989 na
TV Manchete. O programa abordava, com irreverência carioca e de forma bem crua,
temas polêmicos, como violência, sexo, drogas, sexo, religião e.... sexo. Tinha
uma edição tosca, mas foi um caso de sucesso de jornalismo investigativo. A
apresentação era de Roberto Maya (foto), conhecido também por suas atuações em clássicos do cinema
erótico nacional.
Uns amigos mais
abastados, que têm TV por assinatura em casa, me disseram que o Documento Especial é reapresentado, há algum tempo, no
Canal Brasil. Vasculhei no YouTube e encontrei algumas pérolas, como o episódio “Os pobres vão à praia”, considerado pelo antigo diretor do programa,
Nelson Hoineff, o mais significativo de todos. A reportagem mostra um grupo de
pessoas do subúrbio carioca barbarizando nas praias da zona sul. São cenas de
baixaria total. Hoje em dia na TV, algo semelhante só nas sessões do Senado.
Em outro episódio, “Profissão: prostituto”, o programa apresentou, pela primeira vez na
televisão, a Noite dos Leopardos, show de strip-tease masculino na Galeria
Alaska, reduto gay do Rio. Revelou também como jovens desempregados e sem rumo
na vida (talvez algum jornalista estivesse por lá) decidem vender o corpo para
conseguir uns trocados.
Chamado de
“televisão verdade”, o Documento Especial era uma espécie de reality show da TV
brasileira de 20 anos atrás. Com uma vantagem: sem Kleber Bambam e Diego
Alemão. Um prato cheio para quem gosta de jornalismo e do lado B da vida.
1990
Pulando pela janela do
ônibus, surfando na porta, batucando na lataria, dezenas de pessoas embarcam do
subúrbio do Rio rumo a orla da área nobre na base do "calote". As cenas
são de episódios do programa Documento Especial, que foram compartilhados
milhares de vezes nos últimos dias após um final de semana de arrastões. Não fosse a imagem pixelada, odocumentário gravado há mais de 20 anos poderia
parecer de hoje.
No
episódio "Os pobres vão à
praia"prevalecem opiniões de banhistas da Zona Sul que
atacam os "forasteiros". "Sub-raça", diz uma das
entrevistadas diante de uma frase que passeia pela tela e avisa: "Cenas de
preconceito explícito". A suposta autora da fala, 25 anos depois, se
pronunciou em uma rede social e se disse arrependida, dizendo que era alienada (veja abaixo).
Na
internet, as imagens do passado são comparadas a tumultos recentes, com recolhimento
de menores em ônibus e a atuação de justiceiros. Nelson Hoineff era diretor do
programa "Documento Especial", no qual a reportagem foi exibida no
início da década de 90, na extinta TV Manchete. Ele diz que não imaginava o tom
premonitório do minidocumentário, mas "sabia que estava fazendo
história". O programa, segundo ele, "mostrava um Brasil que não se
via na televisão" e que, em certos aspectos, é o mesmo de décadas atrás.
"A gente vê que o Rio não mudou nada.
Fizemos programas sobre arrastão, sobre a guerra social, sobre todos esses
fenômenos que acontecem, a luta do tráfico, a corrupção dentro da polícia.
Algumas pessoas acham que isso começou hoje, mas isso está há dezenas de anos e
o documentário é o testemunho disso", afirma. A caixa de e-mails da
produtora autora da reportagem, diz Nelson, lotou. Ele pretende ressuscitar os
episódios para que, televisionados, discutam questões cíclicas da sociedade —
da segurança pública à prostituição.
Entrevistada diz que era 'alienada'
Identificando-se
como uma das entrevistadas do programa, uma advogada usou as redes sociais para
se retratar. No vídeo, ela chega a dizer que o público da praia era uma
"sub-raça".
Em um longo texto recente, diz que era
"alienada" e que tem orgulho de ter evoluído. "É importante
jogar na cara da sociedade o que ela não quer dizer" (veja o desabafo na imagem ao final
desta reportagem).
Apesar da autocrítica, ela diz que o vídeo foi editado
para "parecer pior do que é". Na reportagem, a jovem (que teria 18 anos
na época, e hoje, 47) apoiava a cobrança de ingresso para entrada na praia.
"Não pode tirar o pessoal do Méier, do mangue e levar à praia em
Copacabana porque eu não posso conviver com uma pessoa que não tem o mínimo de
educação. (...)
É
sujeira você pegar uma pessoa que mora em Ipanema, uma pessoa bem vestida,
legal, que tem educação e colocá-la na praia no meio de um monte de gente que
não tem educação, que vá dizer grosseria, que vai comer farofa com galinha. Vai
matar as pessoas de nojo".
Outro entrevistado concorda. "Não sou
contra pobre, nem nada. Mas venho para a praia no Pepê (na Barra da Tijuca)
porque estou junto dos meus". O G1 tentou contato com a autora dos
comentários, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Mulher que se identifica como entrevistada diz que
'evoluiu' e era 'alienada' (Foto: Reprodução/Facebook)
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